sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Monte Nyudo e os Deuses da Montanha


Um novo ano se inicia e pela tradição japonesa todas as pessoas devem se dirigir ao Jinja, Santuário Xintoísta, para agradecer pelo ano que passou e pedir proteção para o ano que se inicia. Para os montanhistas japoneses a regra não é diferente e proteção principalmente nas escaladas é o que todos almejam, e nada melhor do que visitar um Santuário em uma montanha e finalizar escalando ela.

O Suzuhai planejou um hiking na neve partindo do Grande Santuário de Tsubaki até o topo do Monte Nyudo, ou Nyudogatake em japonês. Durante a semana o tempo não ajudou com uma frente vinda do sul e 3 dias de chuvas, isso foi suficiente para acabar com a neve de inicio de inverno, pois a montanha tem apenas 906 metros de altitude. Nos últimos dias que antecederam a escalada esfriou novamente e aumentou a expectativa de uma nova nevada que não veio e frustrou a maioria dos participantes.

No dia programado partimos eu e Lord da cidade de Suzuka rumo ao Santuário, no local encontraríamos mais 8 pessoas que viriam de outras regiões. O nosso tempo estava com folga, porém há 1 km do estacionamento pegamos um congestionamento monstruoso que transformou um trajeto de 3 minutos para quase 1 hora. Meu celular já recebia um bombardeio de mensagens até que quando paramos o carro ele tocou e deu a notícia, aguardem mais 5 minutos, que se tornariam 10 até que ajeitássemos as coisas na mochila.

Ao chegarmos no local marcado encontramos todos ansiosos e sem mais perda de tempo partimos para a entrada da trilha. Nesse caminho, Lord que debutava no grupo comentou que uma das mulheres não parecia bem, era Nao e com tranqüilidade respondi que ela era muito mais forte do que nós dois, até que ela se aproximou de mim para desejar "feliz ano novo" e percebi que ela estava completamente embriagada.

Na entrada da trilha a tradicional auto apresentação dos participantes e iniciamos a escalada.
A rota escolhida para subida já era conhecida por mim, logo no inicio uma escadaria de pedras de fazer qualquer um perder o fôlego, depois desse trecho muitos já imaginam o que teriam que enfrentar pelo caminho, Lord já fez a sua primeira queixa de cansaço, enquanto que Nao praticamente se arrastou escada acima pedindo para que os outros passassem, porém recebeu o apoio do grupo para completar o trecho que logo de cara deve ser o mais difícil da montanha.

Na medida que fomos subindo em meio a floresta o corpo foi esquentando cada vez mais e todos foram eliminando camadas de roupas, com a temperatura não passando de 5 graus negativos, quem estava com jaqueta de plumas começou a cozinhar, Lord era um desses e pingando de suor ele acabou seguindo com uma jaqueta mais fina que eu havia levado de reserva, as vezes parece exagero tanta coisa que levo na mochila, porém sempre pode ser útil.

Sem pausas para descanso, quem seguiu no pelotão da frente pode descansar enquanto aguardavam os demais, na rabeira de traz Nao trançava as pernas como eu nunca vira antes, sempre sendo amparada pelo líder Taro, que lhe deu atenção durante toda a subida. Um pouco mais a frente eu acompanhava Lord, que muito cansado tinha dificuldade até para se queixar da subida. Procurei manter aquele ritmo me poupando para o dia seguinte quando eu e Lord escalaríamos outra montanha, e por um momento comecei achar que seria improvável que ele fosse suportar uma montanha mais alta e de dificuldade muito maior.

Continuamos sem parar rumando para cima, o problema desta rota é que durante 90% do percurso se enfrenta somente subida, o que acaba exigindo um grande esforço físico. Cansados porém inteiros alcançamos o topo da montanha com uma bela vista dos montes Kama e Gozaisho com seus cumes congelados, do outro lado no horizonte que não parecia tão próximo estava o ponto mais alto que ainda teríamos que enfrentar.

Sobre um forte vento desviamos o caminho para o cume até chegar em um pequeno santuário, onde fizemos os agradecimentos e pedimos proteção. Paramos para o almoço ali mesmo, pois alguns blocos de tijolo ajudaram a sustentar os fogareiros, fiquei imaginando então quem é que carrega essas coisas até ali, ou seria obra de alienígenas. Aproveitei pra testar o meu poderoso fogareiro ching-ling, que não decepcionou no preparo do nosso cup lamen, aliás algumas pessoas com fogareiros melhores demoraram mais pra esquentar a água do que a minha baraterrima réplica.

Apesar da comida quente, ficar parado fez o corpo esfriar bem, minha mão direita começou a congelar sem luva, impossível comer de hashi, talheres japoneses, usando uma luva. Alimentados seguimos para o cume onde soprava um forte vento, fizemos uma foto juntos e muitos já correram do local para se proteger da tormenta, abri os braços para pose de uma foto e quase caí pra tráz, com o tempo nublado uma neve fina começou a correr pela montanha anunciando o que viria depois.


Iniciamos a descida por outra rota e mais parecia uma competição pra ver quer chegava primeiro lá embaixo, nesse corre corre o corpo esquentou até na descida, até que chegamos em um pequeno abrigo onde uma parada já era programada. No local Taro preparou um zenzai, um prato doce aqui do Japão, que leva como ingredientes feijão azuki e mochi, uma espécie de bolinho de arroz socado. Tomei duas canecas dessa iguaria e apesar de gostar, confesso que não agrada muito o paladar dos brasileiros.

Continuamos a descida e Nao que até havia tirado um cochilo no abrigo novamente ficou pra traz, perdemos altitude muito rápido e logo o terreno foi se tornando mais plano, o que anunciava o fim da jornada. Quando retornamos ao Grande Santuário de Tsubaki, uma multidão formava filas para chegar ao complexo principal e nossa passagem ali foi abortada, então nos reunimos para as considerações finais e separadamente seguimos pra casa.

No retorno para casa pudemos observar que o trafego de veículos em direção ao Santuário havia triplicado em relação a quando chegamos, no sentido contrario seguimos livre e pudemos discutir os planos de escalada para o dia seguinte, estávamos cansados porém inteiros e parecia não haver nenhum problema. Mais tarde começou a cair uma neve que duraria a noite toda e mal podíamos imaginar o que se sucederia.


GALERIA











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